#transposicao_didatica_evsuperatar

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Investigações em Ensino de Ciências – V10(3), pp. 387-404, 2005
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SERÃO AS REGRAS DA TRANSPOSIÇÃO DIDÁTICA APLICÁVEIS AOS
CONCEITOS DE FÍSICA MODERNA?
(Are the rules for Didactical Transposition applicable to the concepts of modern
physics? )
Guilherme Brockington [mercer112@hotmail.com]
USP - Instituto de Física/Faculdade de Educação
Maurício Pietrocola [mpietro@usp.br]
USP - Faculdade de Educação
Resumo
Este trabalho é parte de uma pesquisa envolvendo proposta de atualização curricular.
Os conteúdos de Física Moderna e Contemporânea estão, em geral, ausentes das aulas do
Ensino Médio. Neste trabalho nos propomos a analisar os requisitos necessários para a
inserção de elementos de Mecânica Quântica nas aulas do Ensino Médio. A análise teórica
será feita com base na teoria de “Transposição Didática”, proposto por Yves Chevallard, a
partir da qual apontamos alguns elementos que questionam a aplicabilidade de suas regras
aos temas desta “nova” Física.
Palavras-chave: Ensino de Física Quântica, Transposição Didática, Física Moderna.
Abstract
This study is part of a program to update the teaching curriculum. The subject matter
of Modern and Contemporary Physics is generally absent in teaching at the Middle School
level. In the study we analyse the requirements for the insertion of elements of Quantum
Mechanics in teaching at that level. The analysis is based on the theory of “Didactical
Transposition" proposed by Yves Chevallard and from which we point out some elements of
his rules which are of questionable relevance to the topics of this "new" Physics
Keywords: Teaching Quantum Physics, Didactical Transposition, Modern Physics.
Introdução
Diversas pesquisas em Ensino de Física apontam para a necessidade da inserção de
Física Moderna e Contemporânea (FMC) no Ensino Médio. Os trabalhos decorrentes de
quase duas décadas de pesquisas educacionais são suficientes para assegurar a necessidade de
atualização dos programas de Física na Educação Média. Entretanto, são poucas as pesquisas
relacionadas à implementação de tópicos de teorias modernas e contemporâneas. Professores
da escola média e pesquisadores em ensino parecem tatear, movendo-se muito lentamente,
como se estivessem no escuro, temendo por demais cada novo passo. Certamente, a cautela na
abordagem de FMC no Ensino Médio não é difícil de ser entendida. Os desafios são impostos
não apenas pela complexidade intrínseca destes tópicos, como também por uma insegurança
inerente a qualquer tentativa de mudança no domínio escolar. Acrescente-se a isso, o sistema
de ensino que, na maioria das vezes, dificulta, e até impede, qualquer tipo de inovação.
Grande parte dos professores está presa a um cenário pedagógico sem muita flexibilidade,
seja por prescrições de conteúdo, horários restritos e especificidades de suas próprias
disciplinas. Não é incomum o professor sentir-se cerceado pelas condições que lhe são
impostas na escola, como a preocupação exacerbada com o cumprimento do programa ou a
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pressão por resultados no vestibular. Isso sem levar em conta o tamanho das turmas e a
extensão dos currículos
1
.
Desta forma, cada inovação curricular se torna uma pequena batalha travada entre
professores, escola e alunos. Infelizmente, na maioria das vezes, é uma guerra de derrotados,
sem qualquer vencedor. Como não se vence uma batalha sem conhecer bem seus “inimigos”,
é preciso entender em profundidade os motivos que tornam o ensino tradicional de Física tão
refratário às mudanças. Acreditamos que ao compreender melhor como a produção científica
migra da comunidade acadêmica para a sala de aula, estaremos mais capacitados para a
proposição de alternativas que garantam uma inserção efetiva de conceitos de Física Moderna
(FM) no Ensino Médio. Em particular, neste artigo, trataremos especialmente de elementos da
Física Quântica.
A transposição didática
A idéia de Transposição Didática foi formulada originalmente pelo sociólogo Michel
Verret, em 1975. Porém, em 1980, o matemático Yves Chevallard retoma essa idéia e a insere
num contexto mais específico, fazendo dela uma teoria e com isso analisando questões
importantes no domínio da Didática da Matemática. Em seu trabalho, CHEVALLARD (1991)
analisou como o conceito de “distância” nasce no campo da pesquisa em matemática pura e
reaparece modificado no contexto do ensino de Matemática. Ele define a Transposição
Didática como um instrumento eficiente para analisar o processo através do qual o saber
produzido pelos cientistas (o Saber Sábio) se transforma naquele que está contido nos
programas e livros didáticos (o Saber a Ensinar) e, principalmente, naquele que realmente
aparece nas salas de aula (o Saber Ensinado). CHEVALLARD analisa as modificações que o
saber produzido pelo “sábio” (o cientista) sofre até este ser transformado em um objeto de
ensino.
Segundo essa teoria, um conceito ao ser transferido, transposto, de um contexto ao
outro, passa por profundas modificações. Ao ser ensinado, todo conceito mantém
semelhanças com a idéia originalmente presente em seu contexto da pesquisa, porém adquire
outros significados próprios do ambiente escolar qual será alojado. Esse processo de
transposição transforma o saber, conferindo-lhe um novo status epistemológico (ASTOLFI,
1995).
De maneira geral, CHEVALLARD pretende que os conhecimentos (saberes) presentes
no ensino não sejam meras simplificações de objetos tirados do contexto de pesquisas com o
objetivo de permitir sua apreensão pelos jovens. Trata-se, pois, de “novos” conhecimentos
capazes de responder a dois domínios epistemológicos diferentes: ciência e sala de aula.
1
Embora pudéssemos iniciar este artigo discutindo aspectos relacionados à perspectiva formadora do currículo
(para o trabalho, para a cidadania, etc) preferimos tratar o dilema curricular centrando nossa análise basicamente
no que é conhecido como currículo tradicional. Com isso, pretendemos revelar os limites e possibilidades de se
alterá-lo, renová-lo, atualizando-o, visando a introdução de temas modernos. Este será o nosso recorte. Nesse
sentido, autores que tratam especificamente de currículo não serão tratados. Caso haja interesse nesta discussão
por parte dos leitores, os seguintes autores podem ser consultados: Millar e Osborne (1998) e Robin Millar
(1996).
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Em cada época, é necessário que o conhecimento científico escolar esteja
fundamentado no conhecimento produzido pelos cientistas, e que esse já tenha sido aceito de
uma forma consensual pela comunidade científica. A pesquisa em Física induz a um Ensino
de Física que deva, a princípio, ser sua própria imagem e semelhança. A partir disso, idéias,
conceitos, teorias são, então, transpostos para os programas escolares e materiais didáticos.
No entanto, o conhecimento acadêmico deve ser “adaptado” ao ambiente das salas de aula.
Isso pode sugerir a idéia de que o Saber a Ensinar e o Saber Ensinado sejam pouco diferentes
daqueles presentes nos laboratórios e grupos de pesquisa. Essa forma de conceber o ensino
traz embutida a idéia de simplificação do saber.
“À primeira vista somos levados a interpretar que o saber a ensinar é apenas
uma mera “simplificação ou trivialização formal” dos objetos complexos que
compõem o repertório do saber sábio”. (ALVES-FILHO, 2000, p.225)
Para ALVES-FILHO, esta visão simplificada “é equivocada e geradora de
interpretações ambíguas nas relações escolares, pois revela o desconhecimento de um
processo complexo de transformação do saber.”
2
Para o aluno, esta idéia de simplificação do conhecimento transforma-se em um
obstáculo ainda maior. A imensa maioria dos conceitos apresentados aos alunos tem pouco
(às vezes nenhum) significado para eles. Assim, aquilo que lhes é ensinado difere totalmente
do que vivenciam fora da escola. Com isso, raramente conseguem aplicá-los em qualquer
outra situação que não sejam aquelas fornecidas dentro da sala de aula. As famosas
“condições ideais” só existem nos livros, de maneira que
“(..) os exercícios ou problemas jamais tratarão de casos reais, estabelecendo
sempre situações ideais. Algumas observações são muito freqüentes ao longo
da dinâmica no Ensino Médio, como:
exclua a resistência do ar;
considere o plano perfeitamente liso e sem atrito;
despreze as dimensões do corpo e;
considere o valor de g constante durante o movimento”. (OFUGI, 2001, p.65 )
É preciso deixar claro que a “simplificação” aqui tratada precisa ser diferenciada da
escolha consciente de modelos simplificados, que remetem ao processo de modelagem
científica. Certamente, a construção de modelos pela Ciência para a apreensão do real visa
transformar situações complexas em situações mais simples, afim de poder tratá-las por meio
de teorias disponíveis. Com isso, neste processo, abstrações, simplificações e idealizações são
implementadas, sem que, no entanto, os limites e possibilidades de tais opções sejam
esquecidas, ficando o modelo condicionado às mesmas. Logo, a modelagem científica é
imprescindível para a construção da ciência e, também, para seu ensino
3
. O lançamento
oblíquo, por exemplo, é apresentado nos livros didáticos de física na forma de um modelo
simplificado. Embora haja comentários sobre a desconsideração da resistência do ar,
raramente há menção à variação da aceleração da gravidade e à esfericidade da Terra. Ou seja,
trata-se de um modelo adequado ao estudo de lançamentos envolvendo distâncias muito
menores que o raio da Terra. Ele permite lidar com a complexidade dos lançamentos nessa
ordem de grandeza. O aspecto “modelador” do saber ensinado é, assim, ocultado do aluno.
Os autores desses livros, ao não informarem ao aluno-leitor sobre necessidade da modelagem,
2
ALVES-FILHO, 2000, p.225
3
Para discussões acerca do papel dos modelos na Ciência e no Ensino de Física, ver :PIETROCOLA, 1999.
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impedem a percepção do fazer científico e sugerem que se trata apenas de uma representação
simplificada do fenômeno. Assim, nossa crítica é feita no sentido de enfatizar o quanto a
transposição dos saberes científicos para a sala de aula induz a uma idéia de simplificação, de
que, ao se ensinar Física no Ensino Médio, tem-se apenas um processo onde o cerne é “tornar
mais simples” conceitos complicados, algo que difere totalmente das idealizações presentes
no processo de modelagem.
Esta suposta “simplificação” gera, na verdade, um novo saber, com novo estatuto
epistemológico, o Saber Escolar.
“O que percebemos é que não existe uma neutralidade na apresentação dos
conteúdos, e sim a criação de uma Física Escolar, que embora possua vínculos
com a Física Científica, se mostra completamente modificada e
transformada”. (OFUGI, 2001, p.68)
Mais que razoável, é até desejável que ocorra a produção de um novo saber, mesmo
com os riscos inerentes ao processo de criação. As motivações e objetivos de se ensinar e
aprender ciências são extremamente diferentes daqueles presentes no fazer científico. Há uma
mudança de nicho epistemológico, o que implica numa inevitável transformação do
conhecimento. Por isso, o Saber Ensinado e o Saber Sábio, embora conectados, são diferentes.
Um indício da transformação dos saberes (e não uma mera simplificação) na
Transposição Didática é a existência de atividades, objetos e áreas de estudo presentes no
ensino, sem equivalência com a área de pesquisa em física ou contextualizadas diferentemente
desta. Algumas situações de ensino guardam alguma relação com o conhecimento de sua área
específica, mas na verdade possuem identidade própria. Elas “existem” apenas como criações
didáticas. Neste sentido, OFUGI afirma que
“Boa parte dos exercícios de Cinemática e Termometria, por exemplo, nunca
foram objeto de estudo da Física. Não existe nenhum grupo de físicos
estudando transformações de escalas termométricas, nem tampouco algum que
tenha como objeto de pesquisa o tempo de queda de uma lasca de madeira que
se solta de uma ponte [Cálculos como esse ou similar estão presentes em
vários livros do Ensino Médio quando o tema MRUV ou Queda-Livre é
tratado]”. (OFUGI, 2001, p.67)
O que dizer do conteúdo escolar associado à associação de resistores e capacitores
(circuitos série, paralelo e mistos) presentes na maioria dos livros didáticos? Na forma como
são apresentados para o ensino, certamente esses conteúdos nunca foram objeto de pesquisa.
Podemos também citar a forma como a cinemática é tratada nos cursos de Física do Ensino
Médio. Em que período histórico as condições de ultrapassagem de móveis, o cálculo do
tempo de queda em lançamentos verticais, o cálculo do deslocamento necessário para
frenagem foram objeto de pesquisa científica? Seria um exercício indevido de associação
histórica acreditar que tudo o que compõe o currículo escolar de Física tenha equivalente na
esfera do Saber Sábio. Nesse sentido, a Transposição Didática contém Práticas Sociais de
Referência como balizadores de saberes escolares.
4
4
Para mais detalhes sobre tal noção, ver MARTINAND (2003).
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As simplificações existem no processo de Transposição Didática. Isso é, muitas vezes
é necessário limitar a profundidade conceitual e as linguagens empregadas em algumas
situações. Um dos motivos que justificam essa simplificação é decorrente, entre outras, da
disponibilidade de tempo (carga horária), dos objetivos do curso, da maturidade dos
estudantes etc. As escolhas e adaptações são inevitáveis quando se deve fazer caber três ou
quatro séculos de Física em duas ou três aulas semanais ao longo de três anos.
Desta forma, analisar a evolução do saber que se encontra na sala de aula através da
Transposição Didática possibilita uma fundamentação teórica para uma prática pedagógica
mais reflexiva e questionadora. Para CHEVALLARD, isso equivale à capacidade, e
necessidade constante, do professor exercer uma vigilância epistemológica em seu magistério.
A Transposição Didática é para o professor
“[...]uma ferramenta que permite recapacitar, tomar distância, interrogar as
evidências, pôr em questão as idéias simples, desprender-se da familiaridade
enganosa de seu objeto de estudo. Em uma palavra, é o que lhe permite
exercer sua vigilância epistemológica”. (CHEVALLARD, 1991, p.16)
Anatomia da Transposição Didática
CHEVALLARD mostra que a forma de relacionamento entre o Saber Ensinado e o
Saber Sábio é um dos pontos fundamentais em toda a didática. Estas relações ocorrem dentro
de um ambiente que configura um contexto escolar (o Sistema Didático); um pequeno
universo que se encontra dentro de um ambiente externo (o Sistema de Ensino). Este último é
tido como “algo” mais amplo. O Sistema de Ensino, seria, por exemplo, o sistema
educacional e/ou as escolas de um país e, que acabam sempre por influenciar o Sistema
Didático .
“O entorno imediato de um sistema didático está constituído inicialmente pelo
sistema de ensino, que reúne o conjunto de sistemas didáticos e tem ao seu
lado um conjunto diversificado de dispositivos estruturais que permitem o
funcionamento didático e que intervem nos diversos níveis”. (CHEVALLARD,
1991, p.27)
O Sistema de Ensino também se encontra inserido dentro de um contexto ainda mais
amplo e complexo, a Sociedade. De maneira geral, poder-se-ia exemplificar a sala de aula
como um Sistema Didático, a escola, ou a rede de ensino de uma cidade, como o Sistema de
Ensino.
A mediação entre a sociedade e o Sistema de Ensino é realizada pela noosfera,
considerada como o ambiente onde
“se encontram todos aqueles que, tanto ocupam os postos principais do
funcionamento didático, se enfrentam com os problemas que surgem do
encontro da sociedade e suas exigências; ali se desenvolvem os conflitos; ali se
levam a cabo as negociações; ali se amadurecem as soluções”.
(CHEVALLARD, 1991, p.28)
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O Sistema de didático sempre foi pensado, na pedagogia tradicional, como binário:
composto por apenas dois atores: professor e alunos
5
. Por ser pensado como um sistema
contendo apenas seres humanos, analisar os processos de ensino/aprendizagem
exclusivamente como fruto das relações humanas limitava tais análise a resultados de
natureza sociológica. Desta forma, as falhas e imperfeições humanas eram refletidas no
ensino de maneira que os conflitos ali existentes passavam a serem vistos como algo inerente
a esse tipo de relações. Porém, para CHEVALLARD, há a necessidade de se inserir o próprio
conhecimento como objeto desse sistema, como ator do processo. Com isso, o tratamento
sociológico não é suficiente para analisar o Sistema de Ensino, sendo necessário o aporte do
conhecimento (o Saber, na terminologia da TD). O saber, assim, torna-se um elemento
essencial na relação tida anteriormente como exclusiva entre professor e alunos. Ao fazer isso,
CHEVALLARD amplia as possibilidades de análises teóricas desta relação: a epistemologia
passa a ser um instrumento poderoso das análises do sistema didático, agora constituído por
uma base ternária (professor, aluno, saber).
A presença do saber, enquanto ator, cria duas novas relações: relação professor-saber e
saber-aluno. Assim, para CHEVALLARD, o pensamento e construção do objeto de ensino se
configuram sobre uma base ternária. Ou seja, essa manufatura do saber escolar acontece numa
relação contendo três elementos: o professor, o aluno e o saber.
“[...] uma vez que se torna possível falar desse terceiro termo, tão
curiosamente esquecido: o saber, pode formular-se uma pergunta que concede
à polêmica seu verdadeiro interesse: O que é então aquilo que, no sistema
didático, se coloca sob o estandarte de O Saber? O “saber ensinado” que
concretamente encontra o observador, que relação estabelece com o que se
proclama dele fora desse âmbito? E que relação estabelece então com o
“saber sábio”, o dos matemáticos
6
? Quais distâncias existem entre um e
outro?”. (CHEVALLARD, 1991, p.15)
CHEVALLARD mostra que, para entendermos realmente as relações que ocorrem
dentro do Sistema de Ensino, deveríamos incluir o saber como elemento fundamental nesse
processo. Com isso, acreditamos que ao compreendermos as alterações sofridas pelo saber,
desde sua criação na comunidade científica até sua chegada nas salas de aula, seremos mais
capazes de dar significado a esses conhecimentos apresentados nas escolas.
A noosfera
Conforme já exposto anteriormente, em sua análise, CHEVALLARD define três
esferas ou patamares de saber: Saber Sábio, Saber a Ensinar e Saber Ensinado. Cada uma
destas esferas tem seus agentes pertencentes a diferentes grupos sociais, com interesses
distintos e que, com regras próprias, influenciam nas mudanças sofridas pelo saber ao longo
de seu percurso epistemológico. Porém, ao longo da trajetória sofrida pelo saber (do ambiente
científico até à sala de aula) existem fatores externos ao sistema escolar, inseridos em um
ambiente mais amplo, onde todas as três esferas coexistem e se influenciam. Nem tudo que
chega deste ambiente externo tem reflexo na sala de aula.
5
O aluno aparece aqui como categoria, como umente da relação.
6
Ou Físico, ou Biológico etc dependendo, obviamente, do saber de referência em questão.
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Os agentes reguladores, determinantes para a seleção e, principalmente, para as
modificações que o Saber Sábio sofrerá, são os componentes dos bastidores de todas as
mudanças, definidos por CHEVALLARD como a noosfera. Nela, encontram-se todos
aqueles que, de uma forma ou de outra, influenciam nos rumos do ensino, fazendo com que o
Saber Sábio se modifique até chegar às escolas.
A noosfera é composta, em geral, por cientistas, educadores, professores, políticos,
autores de livros didáticos, pais de alunos, entre outros. Cada um destes contribuindo com
seus valores, preferências, idéias e objetivos específicos no delineamento dos saberes que
chegarão à sala de aula. Cada esfera dos saberes possui seus sub-grupos de atores da noosfera,
podendo haver ou não uma sobreposição entre grupos de esferas diferentes.
Os agentes presentes no processo de mudança e adequação dos saberes são
personificados na figura da noosfera. Ela atua como um mediador entre duas instâncias
importantes, que são as necessidades e anseios da sociedade e o funcionamento do sistema
escolar. Pode-se, então, dizer que
“A noosfera é o centro operacional do processo de transposição, que traduzirá
nos fatos a resposta ao desequilíbrio criado e comprovado [entre os ideais e
possibilidades dos saberes científicos](expresso pelos matemáticos, pelos pais,
pelos professores mesmos). Ali [na noosfera] se produz todo conflito entre
sistema e entorno e ali encontra seu lugar privilegiado de expressão. Neste
sentido [do conflito de interesses], a noosfera desempenha um papel de
obstáculo”. (CHEVALLARD, 1991, p.34)
Na forma como Chevallard apresenta o papel da Noosfera, deve-se admitir que ela se
constitui em local de convergência e debate de interesses diferentes. Os interesses internos da
ciência, os ideais de formação dos cidadãos, os objetivos profissionais e de desenvolvimento
do indivíduo, entre outros, se encontram nesse espaço de debate, onde os porta-vozes de cada
grupo colocam seus argumentos visando a constituição de um consenso. A importância
relativa das ações de cada um desses atores num contexto histórico específico determina a
forma final do Saber a Ensinar. Embora inevitável e legítima, a Transposição Didática não é,
em si, um obstáculo à qualquer tentativa de modificação do saber escolar. A noosfera, por sua
vez, desempenha esse papel de obstáculo a toda e qualquer tentativa de alteração, servindo
como lastro que tende a manter o projeto educacional em curso, até que ela própria sofra
modificações significativas.
As Esferas do Saber
As esferas de saber, bem como os membros da noosfera que participam de cada um
destes domínios, são assim definidos por CHEVALLARD.
i - O Saber Sábio
Para um conhecimento científico figurar dentre aqueles apresentados aos alunos é
necessário que ele possua um balizador, uma fonte de referência produzida pela comunidade
científica. O Saber Sábio é, então, aquele que aparece em revistas especializadas, congressos
ou periódicos científicos. Este tipo de saber nasce da produção e trabalho de cientistas e
intelectuais que, mesmo possuindo diferenças idiossincráticas ou diferentes visões de
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Ciências, fazem parte de uma mesma comunidade de pesquisa, com perfil epistemológico
bem definido.
Trata-se, assim, de um saber que é desenvolvido por cientistas nos institutos de
pesquisas, e que passa pelo julgamento da comunidade científica, com suas normas e regras
próprias
7
. Por isso, o Saber Sábio possui especificidades intrínsecas deste ambiente em que
ele é gerado.
ii - O Saber a Ensinar
Ao ser transposto para o ambiente escolar, o Saber transforma-se em um outro tipo de
saber, passando a integrar novas demandas e ajustando-se a elas. Este saber deverá estar
revestido de uma forma didática visando sua apresentação aos alunos. O Saber a Ensinar é,
então, o saber que aparece nos programas, livros didáticos e materiais instrucionais.
A esfera do Saber a Ensinar tem uma composição extremamente diversificada. Esta
heterogeneidade pode ser uma fonte de conflitos, visto que seus membros lutam sempre em
defesa de seus interesses, que nem sempre estão em sintonia entre si. Podemos considerar
como integrantes desta esfera os autores de livros didáticos e divulgação científica, os
professores, os especialistas de cada área, todo o staff governamental envolvido com educação
e ciências e, até mesmo, a opinião pública.
iii - O Saber Ensinado
O saber presente nos livros e programas não, necessariamente, coincide com aquele
produzido em sala de aula. Ou seja, quando o professor efetivamente ensina em suas aulas,
tendo como base o Saber a Ensinar, ele então produz o Saber Ensinado.
“O fato de o saber a ensinar estar definido em um programa escolar ou em um
livro texto não significa que ele seja apresentado aos alunos desta maneira.
Assim identifica-se uma segunda Transposição Didática, que transforma o
saber a ensinar em “saber ensinado”. (ALVES-FILHO, 2000, p.220)
Nessa esfera há, portanto, o predomínio de valores didáticos, pois agora a finalidade
desta transposição está voltada para o trabalho do professor em sua prática diária. Assim, a
“didática entra nessa relação como uma forma de otimizar as conexões do aluno, frente às
informações que se deseja repassar”.
8
Na esfera do Saber Ensinado todos os seus membros convivem em um mesmo
ambiente que é a própria instituição escolar. Fazem parte destes grupos os alunos,
proprietários de estabelecimentos de ensino, os supervisores e orientadores educacionais, a
comunidade dos pais e, principalmente, os professores. Assim, o professor, desde o instante
em que prepara suas aulas, tem que fazer a mediação entre os interesses dos membros desta
esfera e os fins didáticos de sua prática.
7
Deve-se ressaltar que tais regras e normas são construídas historicamente e devem estar em consenso com a
comunidade acadêmica, visto objetivam validar os conhecimentos científicos produzidos.
8
OFUGI, 2001, p.80
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A Sobrevivência dos Saberes
A Transposição Didática funciona como um instrumento de análise capaz de
evidenciar o trajeto de um saber quando ele sai de seu ambiente de origem e chega até a sala
de aula. É importante afirmar que nem todos os saberes do domínio do Saber Sábio farão
parte do cotidiano escolar. O papel da noosfera na seleção dos saberes é imprescindível.
Devem ser levados em conta os múltiplos fatores que influenciam as escolhas. Fatores que
vão desde interesses políticos e comerciais, passando pelos anseios de uma sociedade que
acredita na escola, até os interesses acadêmicos e pedagógicos inerentes ao magistério e à
docência.
O principal objetivo da noosfera é a otimização do ensino, buscando uma forma
eficiente de conduzir o processo de ensino e aprendizagem. Sendo assim, ao se utilizar a
Transposição Didática como instrumento de análise, pode-se obter indícios de características
relevantes para que um determinado saber esteja presente nos livros didáticos e nas salas de
aula. Ou seja, esta análise indica características que, combinadas, definiriam a sobrevivência
de um Saber que visa se tornar objeto de ensino. Embora possa ser tentador tomá-las como
um lista de atributos necessários ao Saber a Ensinar, deve-se ter em mente que se trata, na
verdade, de uma gama de características julgadas em conjunto nas várias etapas do processo
de transposição pelos atores envolvidos.
CHEVALLARD define algumas dessas características. A primeira dela consiste em
afirmar que para o Saber Sábio se transformar em Saber a Ensinar ele deve ser Consensual.
Ao se ensinar Física professores, pais e alunos não devem ter dúvida se aquilo que é ensinado
está correto ou não. Assim, este conteúdo deve ter, pelo menos neste momento, um status de
“verdade”, histórica ou de atualidade. Isso indica o porquê de temas mais antigos e
tradicionais serem preferidos àqueles ditos de fronteira. No Ensino de Física isso pode ser
relacionado ao fato de temas de Astrofísica e Cosmologia, como evolução estelar e Big Bang,
poderem até aparecer nos livros didáticos por uma imposição editorial, mas poucos
professores tratam de tais assuntos em suas aulas. Contrariamente, cinemática, estática e
conteúdos de mecânica clássica em geral são amplamente abordados nas aulas de Física.
A segunda característica versa sobre relações de pertinência que o Saber Sábio deve
possuir para ser transposto. Nesse sentido, Chevalard define dois “tipos” de Atualidade:
i) Atualidade Moral: Esse saber deve estar adequado à sociedade. A atualidade moral
diz respeito a um tipo de conhecimento que possa ser avaliado como importante pela
sociedade e necessário à composição curricular. Caso ocorra uma inadequação desse saber,
corre-se o risco de a sociedade não o ver como necessário nas escolas. Deve-se ficar claro que
a questão aqui é de pertinência e não de valoração per se.
ii)Atualidade Biológica: O saber deve possuir uma atualidade em relação à ciência
praticada. Assim, ensinar ondas eletromagnéticas utilizando-se o éter como suporte material
ou termologia usando o calórico como fluído térmico, exceto em uma perspectiva histórica,
configura-se como uma inadequação biológica. O mesmo acontece com o ensino de Física
Atômica utilizando-se o modelo de Thomson, Rutherford ou mesmo o modelo de Bohr. Na
perspectiva dos membros da comunidade científica específica, tais conteúdos seriam
considerados inadequados, pois se constituem em modelos ultrapassados. No entanto, essa
inadequação, tomada isoladamente, não impede que tais conteúdos sejam alçados à sala de
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aula como Saberes a Ensinar. Os modelos atômicos de Thomson, Rutherford e Bohr, por
exemplo, constituem-se em Saberes a Ensinar, e estão presentes em vários livros didáticos de
Física e Química. Ou seja, embora não tenham atualidade Biológica, congregam outros
atributos importantes em termos da sobrevivência dos saberes escolares.
9
Outra característica importante nesse contexto é a Operacionalidade: O Saber a
Ensinar deve ser Operacional. Um saber que é capaz de gerar exercícios, produzir atividades
e tarefas que possibilitem uma avaliação objetiva tem grandes chances de ser transposto.
Conteúdos que não conseguem gerar atividades possíveis de serem avaliadas estão fadados a
não serem transpostos. Uma seqüência didática considerada boa, (com conteúdos e atividades
tidas como interessantes) porém não “operacionalizável” não será adequada à gestão do
cotidiano escolar, pois não se consegue fazer os estudantes “trabalharem” com ela. Assim,
corre-se o risco de o aluno considerar aquele conteúdo sem importância, desistindo de
disponibilizar esforços para aprendê-lo.
No processo de transposição deve haver Criatividade Didática: Um Saber Sábio deve
permitir que haja uma Criatividade Didática, para que seja transposto para o contexto escolar.
Isso implica na criação de um saber com identidade própria no contexto escolar. Existem
muitas atividades e áreas de estudo que são produzidas para o ensino, mas que não têm
equivalente na área de pesquisa, como por exemplo, os exercícios de associação de resistores
em circuitos elétricos, as transformações de escalas termométricas, os vasos comunicantes etc.
Em situações como essas, cria-se uma situação de ensino que guarda alguma relação com o
conhecimento da dimensão sábia, mas na verdade trata-se de um objeto com “identidade
didática”. Ele “existe” somente no contexto do ensino, configurando-se assim como fruto de
uma criatividade didática. A Cinemática em geral, ensinada na escola, pode ser vista sob esse
ponto de vista. Fruto de uma criatividade didática enorme, é resultante de um longo e bem
sucedido processo de transposição didática, incorpora aspectos valorizados no processo de
ensino: é consensual; possui uma alta operacionalidade e capacidade de avaliação.
O Saber a Ensinar deve também se submeter aos testes in loco, adquirindo por assim
dizer um “selo de qualidade”. Isso é definido por CHEVALLARD como Terapêutica. Existe
uma peça fundamental para a sobrevivência dos saberes: os resultados obtidos com sua
aplicação em sala de aula. A “experiência”, em termos de uma avaliação, a posteriori e
coletiva da área envolvida é fundamental para a manutenção (ou não) dos saberes
introduzidos no domínio do ensino. Desse ponto de vista, o conjunto de saberes-a-ensinar
presente nos programas escolares é, em determinado momento histórico, a somatória dos
sucessos alcançados pela área no processo de transposição. Em poucas palavras, o que dá
certo, dentro das características que ressaltamos, se mantém na escola, o que dá errado acaba
saindo
10
.
As categorias acima permitem melhor entender porque as inovações curriculares são
raras, podendo indicar motivos que justifiquem o fato de a FMC ainda estar pouco presente
nas escolas: Talvez porque ainda não se conseguiu que estes tópicos “dêem certo” no
9
Avaliando tais conteúdos exclusivamente do ponto de vista do Saber Sábio, vale dizer que tratam-se de
modelos ultrapassados cientificamente, embora capazes de representar, com certo sucesso, situações limitadas.
10
A terapêutica, de certa forma, está ligada com a formação de professores. Contudo, não é de maneira direta. A
terapêutica é uma categoria que permite analisar o que funciona e o que não funciona na sala de aula. A
formação ambiente do professor está calcada naquilo que ele vivenciou e naquilo que, na sua opinião, funcionou
na sala de aula.
Podemos, assim, dizer que a formação ambiente é a somatória dos casos de terapêutica positiva.
Investigações em Ensino de Ciências – V10(3), pp. 387-404, 2005
397
processo de ensino. Com isso, eles continuam nos livros universitários, nas propostas
curriculares (PCNs), porém não estão presentes nas salas de aula. Por outro lado, a
Cinemática, a tabela periódica e classificação dos seres vivos mantêm-se há tanto tempo no
cotidiano escolar, apesar de muitas vezes serem menos significativos para os alunos. Estes
conteúdos deram certo no sentido de que estão adaptados às características e necessidades do
Sistema de Ensino. No entanto, se isso pode se constituir como uma força nos sentido de
manutenção da tradição, há que se considerar que as inadequações desses conteúdos ao
projeto atual de cidadania, aos interesses dos estudantes etc funcionam como forças no
sentido da inovação. O embate dessas duas forças se dá no âmbito da noosfera, de forma que
o futuro poderá informar qual o balanço obtido.
ASTOLFI
11
elaborou cinco regras que deveriam ser observadas durante o processo de
Transposição Didática, que têm uma ligação direta com as características apresentadas acima.
Essas regras permitem melhor descrever a dinâmica de transformação do saber e acabam por
complementar a idéia original da sobrevivência dos saberes. Essas regras são:
Regra I. Modernizar o saber escolar.
Os novos saberes que surgem no âmbito das pesquisas científicas e que são utilizados
pelas indústrias e novas tecnologias são passíveis de estar contidos nos livros didáticos,
criando uma aproximação da produção acadêmica com o que é apresentado na escola.
“A introdução de tópicos como “código de barras, funcionamento de um CD,
termômetros óticos, fotocopiadora...”, por exemplo, são os indicativos de uma
modernização do saber a ensinar”. (ALVES-FILHO, 2000, p.235).
A modernização dos saberes escolares é uma necessidade, pois legitima o programa
da disciplina, garantindo seu lugar no currículo.
Regra II . Atualizar o saber a ensinar.
Ao fazer a revisão de um livro didático deve-se ir além de apenas acrescentar novos
saberes. Há a necessidade de se eliminar alguns saberes que, embora corretos, devem ser
descartados por estarem demais banalizados.
“Alguns objetos do saber, com o passar do tempo, se agregam à cultura geral
que, de certa forma, passa a dispensar o formalismo escolar. Outros perdem o
significado por razões extracurriculares e/ou escolares.[...] Regra que poderia
ser entendida como a “luta contra obsolência didática””. (ALVES-FILHO,
2000, p.236).
Ou seja, a instrução formal pretendida no Sistema de Ensino deve se limitar àquela
que não se encontra diluída na cultura da sociedade.
12
11
ASTOLFI (1995).
12
Essa regra nem sempre se aplica ao ensino de Física. Muitos dos conteúdos hoje considerados obsoletos, o são,
não por sua diluição na cultura popular, mas não desempenharem papel algum no projeto de formação
pretendido pela sociedade atual.
Investigações em Ensino de Ciências – V10(3), pp. 387-404, 2005
398
Regra III. Articular o saber “novo” com o “antigo”.
A introdução de novos saberes deve ser feita de forma articulada com outros saberes
já alojados nos programas de ensino. Negar radicalmente um conteúdo já tradicionalmente
presente no Sistema de Ensino pode gerar desconfiança por parte dos alunos para tudo aquilo
que se deseja seja aprendido por ele na disciplinaUm exemplo dessa articulação do novo
com o velho é a introdução do eletromagnetismo sem a negação da eletrostática e da
magnetostática
13
. Nos livros e programas de Física, tanto no Ensino Médio como em nível
universitário básico, os capítulos destinados ao eletromagnetismo aparecem posteriormente
ao estudo da interação entre cargas paradas e das propriedades magnéticas da matéria. O
mesmo acontece com a introdução do conceito de campo elétrico em articulação
historicamente anacrônica e epistemologicamente incorreta com a força coulombiana. Isso
pois, no contexto da eletricidade e do magnetismo, força e campo são conceitos basilares de
programas de pesquisa concorrentes. Os programas coulomb/laplaciano (século XVIII/XIX)
e faraday/maxwelliano (século XIX) propunham concepções de mundo muito diferentes. As
interações elétricas e magnéticas seriam, para os primeiros, resultado da ação de forças à
distância, enquanto, para o segundo, conseqüência da ação mediada dos campos. Os segundo
e terceiro quartos do século XIX foram palco para debates acalorados entre esses programas,
envolvendo protagonistas como Coulomb, Laplace, Ampèré, Biot, Faraday, Maxwell,
Thomson, dentre outros. Nos livros didáticos, Força e Campo são apresentados em
seqüência, sem nenhuma alusão a conflitos. Inclusive, a fórmula presente na maioria dos
livros F/q, parece indicar que ambos conceitos são manifestação de um mesmo todo
teórico.
Regra IV. Transformar um saber em exercícios e problemas.
O Saber Sábio capaz de gerar uma ampla variedade de exercícios e atividades
didáticas tem uma maior chance de ser transposto e se tornar Saber a Ensinar. A
operacionalização do Saber em atividades para os estudantes é um dos critérios mais
importantes para a sua presença na sala de aula. Operacionalidade, nos termos da
Transposição Didática, deve ser entendida como uma maneira através da qual uma atividade
pode gerar formas de se “lidar” com o sistema de ensino (o sistema didático, em especial).
Não é uma característica vinculada apenas ao saber, visto ser fundamental para o
gerenciamento do Contrato Didático, estabelecido entre professor-aluno-saber. A
operacionalidade é um atributo importante, pois garante a gestão do cotidiano escolar.
14
Regra V. Tornar um conceito mais compreensível.
A Transposição Didática deve permitir a aprendizagem de conceitos, caso contrário,
ela não pode ser legitimada. Isso em grande parte devido à necessidade de gestão do Contrato
Didático por parte do professor
15
. Sobre esse ponto, é fundamental que os papéis de professor
13
Vale dizer que a articulação do novo com o velho neste exemplo, e que aparece em diversos livros didáticos,
não é a única. Existem autores que optam por não apresentar o eletromagnetismo associando a eletrostática e a
magnetostática, preferindo desarticular o novo do velho.
14
A operacionalidade no ensino de física é geralmente tratada por um senso comum da área, forjado ao longo de
décadas de atividades didáticas semelhantes, envolvendo habilidades restritas ao contexto interno do próprio
conhecimento. Na transposição tradicional da Física, temos uma herança da influência do positivismo, quando se
perde de vista o fenômeno e centra-se na manipulação algébrica. Esta operacionalidade revela características do
saber transposto, indicando a ascendência de uma tradição de ensino que teve sucesso no gerenciamento do
cotidiano escolar.
15
Ver para isso RICARDO, SLONGO E PIETROCOLA (2003).
Investigações em Ensino de Ciências – V10(3), pp. 387-404, 2005
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e aluno possam ser efetivamente cumpridos, resumidamente indicando que ao professor cabe
ensinar e ao aluno aprender.
A partir da exposição acima, pode-se avaliar que a Transposição Didática fornece
critérios mínimos para se entender a produção e sobrevivência de saberes no Sistema
Didático. A partir dela é possível explicar, em parte, porque em disciplinas com longa
tradição, como a Física, os programas se mantêm pouco modificados ao longo de décadas, ou
talvez séculos! O “velho” sobreviveu às vicissitudes da sala de aula: produziu atividades
capazes de serem realizadas pelos alunos; pôde ser avaliado pelos professores, e a terapêutica
confere-lhe a confiança necessária para permanecer. Por outro lado, as necessidades de
atualização e modernização dos saberes concorrem no sentido de promover mudanças, que no
entanto acabam por raramente ocorrer. Isso porque nas ciências em geral, e na Física em
particular, tais necessidades muitas vezes são relativizadas em face de dificuldades internas ao
próprio conhecimento, tais como:
1º - Aproximações: a mecânica newtoniana não é estritamente “moderna”, nos termos
acima mencionados, tendo sido suplantada pela relatividade einsteiniana. Porém fornece bons
resultados experimentais quando aplicada ao cotidiano, onde as velocidades dos corpos são
pequenas quando comparadas à da luz.
2º - Hermeticidade: pela sua estruturação conceitual, abstração e formulação em
linguagem matemática, os conhecimentos presentes nas ciências físicas são poucos
assimiláveis pela cultura popular. Ou seja, mesmo conteúdos extremamente “velhos”, como a
cinemática, ainda hoje não fazem parte do senso comum dos indivíduos do século XXI.
Nessa perspectiva, temas dos séculos XVII, XVIII e XIX, como, por exemplo,
Cinemática, Termodinâmica e Eletricidade, figuram de forma majestosa nos currículos atuais
por terem se adequado ao ambiente escolar. Temos, assim, uma estrutura curricular que tende
a se manter, apesar da defasagem que hoje chega a mais de três séculos.
Transposição Didática: Um Olhar Sobre A Física Moderna
A discussão sobre atualização nos programas e currículos de Física pode ser
encaminhada face à caracterização proposta pela Transposição Didática. Um procedimento
poderia ser analisar os conteúdos ligados à Teoria Quântica (foco deste trabalho) a partir da
sobrevivência dos saberes acima expostos.
Inicialmente, não há dúvida de que a maior parte dessa teoria seja consensual no seio
da comunidade científica, embora possa haver profundas discordâncias acerca da melhor
forma de se interpretar o que ocorre no mundo microscópico
16
. O problema das várias
interpretações possíveis na descrição do mundo microscópico tem sido palco para debates
acalorados no domínio da filosofia nos últimos 80 anos, mas tais debates são cada vez menos
presentes no domínio da ciência ela mesma (ver PESSOA JUNIOR, 2000). Mantendo-se a
seleção de conteúdos restrita aos aspectos do formalismo matemático da Teoria Quântica, não
16
Como exemplo, podemos citar as discussões ligadas ao paradoxo de EPR, as Desigualdades de Bell ou os
experimentos de correlação de fótons. Para maiores discussões ver EINSTEIN, PODOLSKY e ROSEN, 1935;
BOHM e AHARONOV, 1957; ASPECT, GRANGIER e ROGER, 1981; BROWN, 1981, 1986;
BEAUREGARD, 1982; CHIBENI, 1997; FREIRE JR., 1999.)
Investigações em Ensino de Ciências – V10(3), pp. 387-404, 2005
400
há motivos para não considerá-la consensual. Embora possa se discutir, como faremos mais
abaixo, sobre a pertinência ou não de transpor para o Ensino Médio estas discussões restritas
ao aspecto do arcabouço matemático que a estrutura.
Em relação aos demais critérios, é indiscutível que ela possui uma atualidade
biológica (é a teoria que melhor representa a gama de dados empíricos obtidos nas pesquisas)
e, certamente, tem atualidade moral (está na base de todo o progresso científico-tecnológico
presente na sociedade moderna). No entanto, o maior problema surge de sua baixa
operacionalidade em termos de produção de atividades para os estudantes quando
comparada aos conteúdos clássicos. Por um lado, esse problema está ligado a criatividade
didática, e por outro lado à terapêutica, ambas ainda por serem construídas, pois as
experiências de ensino com a introdução de conteúdos da teoria quântica no sistema de ensino
ainda são recentes.
Em relação à produção de atividades, é importante notar que um saber que sobrevive
no Ensino Médio é aquele que pode ser transformado em uma série de exercícios
semelhantes, como os que aparecem nos livros didáticos e outros materiais de ensino. No
entanto, segundo a Transposição Didática, a operacionalidade deve ser vista em conexão
estrita com os processos de desenvolvimento das atividades e de avaliação. As atividades
devem ser pensadas de forma a que professor e aluno sejam capazes de ter consenso sobre o
que fazer e como avaliar o resultado das atividades propostas. Quando a realização e a
avaliação de atividades parecerem “normais” para ambos, configura-se uma situação de
pertinência da atividade para com as exigências didático-pedagógicas da sala de aula. Em
termos gerais, a operacionalidade:
“é a regra que reflete o maior grau de importância no processo transformador
do saber, ao criar uma ligação muito estreita com o processo de avaliação [...]
Este procedimento desenvolve uma avaliação “neutra”, pois não há discussão
sobre a resposta numérica. A resposta está certa ou errada, não havendo
margem para discussões. Além de eliminar dúvidas de julgamento este tipo de
exercício é de fácil correção, diminuindo a carga de tarefas do professor”.
(ALVES-FILHO, 2000, p.238)
Em termos das “regras” acima propostas por ASTOLFI, as de número IV e V são
aquelas a desafiar a criatividade dos físicos-educadores. A tarefa de gerar compreensão dos
conceitos e leis associados à Teoria Quântica é das mais difíceis. Por um lado, boa parte do
entendimento desta teoria está relacionada ao domínio de uma linguagem matemática muito
sofisticada. As equações de onda, números imaginários, funções de probabilidade, matrizes,
etc. não são dominadas amplamente pelos estudantes do Ensino Médio. Por outro lado, a
incerteza e a interpretação probabilística são recursos imprescindíveis para representar o
mundo microscópico e nem sempre são conceitos fáceis de serem utilizados pelos mesmos
estudantes.
Transpor a Teoria Quântica para a sala de aula do Ensino Médio deve ser vista como
uma tarefa das mais complexas, pois de um lado têm-se as exigências epistemológicas
inerentes ao campo de conhecimento produzido pela Física Moderna, muito distantes dos
padrões de entendimento forjados no mundo cotidiano. Por outro lado, as exigências do
domínio escolar não são menores, pois ideologia, necessidades de natureza didática e tradição
se entrelaçam na constituição de um domínio particular. Tem-se de fato um problema
Investigações em Ensino de Ciências – V10(3), pp. 387-404, 2005
401
complexo e com solução não óbvia: como satisfazer a ambos domínios? Será possível manter
o rigor conceitual e ao mesmo tempo satisfazer as exigências do sistema didático?
Em termos práticos, temos observado propostas de ensino divididas em dois grupos:
i) aquelas que se mantêm mais alinhadas com as exigências conceituais do saber sábio
e portanto, mais próximas dos saberes a ensinar presentes nos cursos universitários básicos
(MÜLLER, R.; WIESNER, H. 2002; MICHELINI, M. et all. 2000. OSTERMANN, F.;
FERREIRA, L. M., CAVALCANTI, C.J.H. 1999. OSTERMANN, F., PUREUR, P., 2005;
BARTHEM, R. 2005). O problema nessa tendência é que tais propostas excluem a maioria
dos professores de Física e boa parte dos estudantes do Ensino Médio. Seja por falta de
domínio conceitual ou do formalismo matemático, o Saber a Ensinar fica restrito a poucos
professores, que por sua formação privilegiada em Física, são capazes de ensiná-los no
Ensino Médio. A possibilidade de aprendizagem dos estudantes é ainda uma questão em
aberto em termos de pesquisa.
ii) Outras propostas mais próximas das exigências do sistema didático e portanto mais
semelhantes ao que vem sendo feito nas aulas de Física da Escola Média. Nessa última
tendência, existe a tentativa de se utilizar a mesma estrutura de transposição que transformou
a Cinemática, ou a Dinâmica com seus inúmeros problemas de bloquinhos em atividades de
ensino. Ela conduz à criação de exercícios similares àqueles desenvolvidos em boa parte dos
livros didáticos tradicionais, de forma que se muda apenas o nome dos elementos envolvidos
nos exercícios (Por exemplo, ver exercícios: 9, p.297; 13, p.298; 9, p. 320; 1, p. 359; 3, p.365;
11 e 12, p. 382; GASPAR, G. 2000). Assim, um exercício comum que aparece quando se
intenciona inserir Física de Partículas nas escolas é, simplesmente, transformá-la em colisões
de bolinhas e exigir o cálculo de quantidade de movimento para descrever seu
comportamento. Estas bolinhas, agora com nomes excêntricos como elétrons, prótons,
nêutrons etc. são na verdade as mesmas bolas de sinuca que antes colidiam numa mesa de
bilhar. Ou seja, criar exercícios que trabalhem conceitos de FMC utilizando o mesmo molde,
ou o mesmo tipo de operacionalidade existente na FC é “vender vinho velho em garrafa
nova”. Assim, apenas troca-se relação F = m a por E = h ?. Vale dizer ainda que outro
problema pode acompanhar a produção e aplicação dessas novas atividades; utilizando o
mesmo modelo de exercícios corre-se o risco de transformar a FMC em algo tão cansativo,
inexpressivo e enfadonho quanto é o ensino da Cinemática em muitos casos. Não se deve
imaginar que exercícios deste tipo não tenham nenhum valor, nem que devam estar fora de
cursos introdutórios de FMC. Porém, seu valor deve ser atrelado ao que seria possível obter
em termos de entendimento do mundo microscópico através deles. Ou seja, as atividades a
serem criadas devem cumprir esses quesitos e ainda conseguir abarcar o novo contexto
epistemológico definido pelos conhecimentos da FMC.
Conclusões
Do acima exposto, poderia parecer que a discussão sobre a introdução de conteúdos
das modernas teorias nos currículos de Física se encaminha para um impasse. No entanto,
pode-se contornar esse impasse através da realização de escolhas, que inevitavelmente
determinarão direções a serem seguidas na implementação da transposição didática. Isso
implicaria em supressão de alguns conteúdos/ênfases em benefícios de outros. Millar (1996),
por exemplo, sugere “ensinar menos e melhor”. Assim, parece-nos possível introduzir
conteúdos modernos através de uma transposição didática centrada em atividades que tenham
Investigações em Ensino de Ciências – V10(3), pp. 387-404, 2005
402
uma maior ênfase na argumentação de cunho filosófico, privilegiando o debate e as
características mais qualitativas do conhecimento. Essa perspectiva parece capaz de contornar
os obstáculos gerados pelas representações probabilísticas e pelo formalismo matemático,
inerentes a essa nova teoria. No entanto, tais atividades encontram resistência no ensino
tradicional. Como afirma ALVES-FILHO
“De fato, observa-se que os objetos de ensino que permitem a elaboração de
exercícios e problemas, são mais valorizados no espaço escolar, em
detrimento daqueles que ficam restritos à argumentação teórica”. (Ibid, 2000,
p.238)
De alguma forma, os professores de Física, os autores de livros didáticos, os
formuladores de programas curriculares, os dirigentes escolares, os pais de alunos, ou seja, a
Noosfera, devem ser capazes de se libertar das regras de sobrevivência que geraram o Saber
Escolar tradicional. Ao buscar uma nova “rota” para a transposição didática, estaremos
abertos ao estabelecimento de novas “regras” nas quais possa se vislumbrar a acomodação
entre os requisitos da ciência com aqueles da sala de aula. Esse novo Saber Escolar deve ser
avaliado em termos da motivação que ele gera e de seu sucesso entre os alunos. Porém agora
o sucesso deve também ser visto no sentido de entendimento, prazer e significação e não
apenas em termos de adaptabilidade.
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